Nesta época do ano, as festas juninas tomam conta do Nordeste do país. A celebração, nascida do encontro entre tradições pagãs, cristãs e indígenas, é uma das mais originais expressões da cultura popular brasileira
O termo “festa junina” está associado a tradições de países cristãos europeus que prestam homenagem a São João no dia 24 de junho. Originalmente, o evento era uma festa pagã que comemorava a chegada do solstício de verão no Hemisfério Norte. Transportada para o Hemisfério Sul, a data foi associada ao solstício de inverno.
Com a evangelização da Europa, na Idade Média o ritual pagão foi incorporado ao calendário cristão. O 24 de junho passou a comemorar o nascimento de São João Batista. Logo, outras datas do mês foram associadas a santos populares: o dia 13 é dedicado a Santo Antônio; o dia 29, a São Pedro e São Paulo; e o dia 30 homenageia São Marçal. A mistura entre festas cristãs de santos e folguedos pagãos recriam até hoje novas práticas culturais.
Um dos grandes símbolos das festas juninas é a fogueira de São João. Segundo a tradição católica, ela surgiu na noite do nascimento do santo, quando sua mãe, Isabel, teria mandado acender uma fogueira nas montanhas da Judeia para anunciar a chegada do filho ao mundo. Outros vão dizer que o costume foi introduzido pelos primeiros cristãos, que acendiam fogueiras na festa de São João para lembrar que foi ele quem anunciou a vinda de Cristo, o símbolo da luz divina. Reza a tradição que a fogueira de São João deve ter a forma de uma pirâmide com a base arredondada.
Os versos da música O balã vai subindo, de domínio público, registram a sobrevivência desse costume nas festas juninas brasileiras: “São João, São João, acende a fogueira no meu coração”. A canção faz referência também à prática de soltar balões para sinalizar o início das festas, hoje proibida devido aos riscos de incêndio. Outra tradição associada às chamas é soltar pequenos explosivos e fogos de artifício para acordar o santo dorminhoco, como cartucho, treme-terra, rojão, buscapé, espadas de fogo, chilene, cordão, cabeção de negro, traque e cobrinha.
Os padres jesuítas trouxeram a tradição de São João para o Nordeste
brasileiro, e os índios, que já adoravam dançar ao pé do fogo,
aprovaram. As brasas da fogueira são um exemplo dessas tradições: assim
que se apagam, devem ser guardadas. Conservam, desse modo, um poder de
talismã que garante uma vida longa a quem segue o ritual. Talvez por
isso algumas superstições dizem que faz mal brincar com fogo, urinar ou
cuspir nas brasas ou arrumar a fogueira com os pés.
É claro que esse costume não é uma exclusividade brasileira. Na França, a
árvore de São João também era queimada no dia 24 de junho, em frente à
catedral de Notre-Dame, em Paris, e o povo disputava o carvão para
guardar como amuleto. Em países cristãos da Europa a comemoração adota
diferentes ritos e simbologias.
Outra tradição ligada às festas
juninas são as adivinhações feitas em nome dos santos. As mais populares
são as associadas a Santo Antônio, que ajudam na escolha do futuro
pretendente, como enterrar uma faca virgem na bananeira para que o
instrumento forme a letra inicial do nome do futuro noivo; colocar
papeizinhos enrolados com nomes masculinos dentro da água e esperar que o
primeiro se abra para apontar o nome do prometido; ou encher a boca de
água e ficar atrás da porta, esperando que alguém diga o nome de um
homem, revelando, assim, a identidade do futuro marido.
A
distribuição de “pãezinhos de Santo Antônio”, realizada no dia 13 de
junho nas igrejas católicas, e a dança de quadrilha, que acompanha a
encenação do casamento matuto, também são associadas ao santo
casamenteiro. O pão do santo é distribuído logo depois do Dia dos
Namorados, que no Brasil é celebrado em 12 de junho. Segundo a tradição,
as mulheres que querem se casar devem comê-lo e armazená-lo ao lado de
outros mantimentos, para que nunca falte alimento na casa.
As
quadrilhas acompanham a encenação do casamento do matuto, celebrado em
meio a fogueira, fogos, noivo, noiva, pai da noiva, sacristão, juiz e
delegado. Agitadas e cada vez mais coloridas, as quadrilhas podem se
apresentar ao ar livre, em palanques ou arraiais. Trata-se de uma dança
de salão de origem francesa na qual casais bailam ao som da sanfona e
outros instrumentos tradicionais.
Os participantes obedecem a um
marcador, que usa palavras afrancesadas para indicar o movimento que
devem fazer. O “balancê” (#balancer#), por exemplo, indica o momento em
que um casal apenas balança o corpo no ritmo da música, sem sair do
lugar, só marcando o passo. A mistura do linguajar matuto com o francês
deu origem ao “matutês”, com humor e sotaque do interior nordestino.
As
moças desfilam vestidos estampados e cheios de babados para exibir
bastante volume. A maquiagem é exagerada, com bochechas rosadas e batom
forte; o cabelo é penteado com o tradicional rabo de cavalo,
maria-chiquinha ou trancinhas. Os rapazes vestem-se com camisa xadrez,
lenço no pescoço e calça comprida remendada com retalhos de pano
colorido. O calçado pode ser alpercata de couro cru ou sapato fechado.
Na dança da quadrilha é preciso seguir os comandos “anavantur” (en avant tout) e “anarriê” (en derrière).
Devem-se executar apenas os passos gritados pelo marcador: cumprimento
às damas; cumprimento aos cavalheiros; damas e cavalheiros trocam de
lado; trocam de dama, trocam de cavalheiro; grande passeio; caminho na
roça; olha a cobra. Os tipos de passo dependem da criatividade de cada
grupo. No c’est fini das apresentações os casais se despedem acenando ao público.
No Nordeste do Brasil, a música que embala as quadrilhas é o forró. E,
para entender como funcionam esses bailes, nada melhor que ouvir São João na roça, canção composta em 1952 por Luiz Gonzaga e Zé Dantas:
A fogueira tá queimando
Em homenagem a São João
O forró já começou
Vamos gente, rapapé neste salão.
(...)
Traz a cachaça, Mané.
Eu quero vê, quero vê páia voar.
Em
qualquer forró do Nordeste, chamar para o “rapapé” no salão significa
convidar mais casais para dançar o arrasta-pé, alusão feita ao movimento
dos pés arrastados no chão. Querer ver a “páia voar” é o mesmo que
desejar assistir à dança esquentar ou o espaço ficar disputado no salão.
Os festejos juninos são realizados em um espaço próprio, o
arraial, que é construído com madeira e palha de coqueiro ou palmeira e
decorado com bandeirinhas de papel colorido e balões. Quando o arraial
está reservado ao forró, o chão do terreiro é batido, e os casais dançam
no interior de um galpão com aberturas nas laterais, que garantem a
ventilação do lugar e servem para as pessoas espiarem os dançarinos.
O
forrozeiro Cecéu “de Campina” perguntou: “Quem foi esse inteligente que
inventou o forró?”. O folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo
respondeu à pergunta: o nome forró deriva de forrobodó e foi trazido ao
Brasil por escravos africanos que falavam línguas da família banto.
Forró significa arrasta-pé, farra, confusão. Surge como festa para
depois se transformar em gênero musical. É dançado juntinho e vem
misturado a vários tipos de música nordestina (baião, coco, rojão,
quadrilha, xaxado, xote), animado por pífano, zabumba, triângulo e pela
popular “pé de bode” ou sanfona de oito baixos.
A partir da década de 1950, quando milhões de nordestinos migraram para
as regiões Sudeste e Centro-Oeste, atraídos pelas oportunidades de
emprego geradas pela construção de Brasília e pela instalação de
empresas automobilísticas em São Paulo e no Rio de Janeiro, o forró se
espalhou pelo país. Logo começaram a surgir nessas capitais as primeiras
casas dedicadas ao gênero, que passaram a ser frequentadas por parte da
juventude local, por modismo ou preferência musical. Com o tempo,
outras denominações foram nascendo: forró pé de serra (tradicional,
rural), forró universitário (casas de show, urbano) e forró de plástico
(forró eletrônico, mais estilizado).
O sanfoneiro Luiz Gonzaga
(1912-1989), pernambucano de Exu, foi o pioneiro na difusão do forró no
eixo Rio-São Paulo, graças a canções como Forró de Mané Vito, Derramaro o gai e Forró do quelemente, todas gravadas a partir de 1949, em parceria com Zé Dantas.
A
entrada do forró no mercado sulista se deveu também ao talento do
paraibano Jackson do Pandeiro (1919-1982), natural de Alagoa Grande. O
famoso Forró em Limoeiro, parceria de 1953 com Edgar Ferreira,
estourou nas rádios da época, e muitas de suas músicas foram regravadas
por grandes nomes da música popular brasileira como Gal Costa, Alceu
Valença, Elba Ramalho, Zeca Baleiro, Paralamas do Sucesso e O Rappa,
entre outros. O maior de todos os tributos, no entanto, veio na forma da
canção Jack soul brasileiro, gravada em 1999 por Lenine e Fernanda Abreu.
Assim
como o forró, hoje as festas juninas fazem sucesso em todo o Brasil. No
entanto, as maiores, mais concorridas e mais tradicionais estão no
Nordeste. Afinal de contas, foi lá que as primeiras fogueiras de São
João arderam na América portuguesa.
Nadja Carvalho é
professora do programa de pós-graduação em comunicação da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB) e pesquisadora da cultura popular nordestina
Campina Grande, a maior do mundo
A maior cidade do interior da Paraíba festeja o São João mais aloprado do mundo desde 1983 e disputa com Caruaru, em Pernambuco, o título de maior festa do gênero. As duas cidades gostam de mexer uma com a outra: qual das duas é a maior? Qual é a melhor? Quem deixa o brincante mais coió (cansado) com o forró pé de serra?Luiz Gonzaga largou no teclado da sanfona: “Lá no meu sertão pros caboclo lê têm que aprender outro ABC”. Os versos fazem alusão ao linguajar nordestino. O “paraibanês” mantém a sua língua afiada nas tradições. Por isso o povo de Campina Grande diz: o São João daqui é aloprado, arretado e arrochado, que só vendo pra crer.
Os festejos juninos duram os exatos 30 dias de junho. As quadrilhas e o casamento matuto são responsáveis por um espetáculo colorido de ritmo animado, cheio de coreografias que fazem rodopiar os babados dos vestidos.
É regra o noivo chegar amuado (chateado), querer bota boneco (discutir) e tentar fugir, mas o pai da noiva promete um bufete, uma cipoada (murro, pancada forte), e o padre apressa o casório. A noiva costuma esconder a gravidez, sua mãe tem uma bilôla (sentir-se mal) e é amparada por uma marmota (pessoa desajeitada).
As 150 barracas formam um vilarejo. O pátio cenográfico reproduz uma pequena cidade de interior: igrejinha, casa de barro, bodega e cachaçaria. No interior da casa, o rádio na sala, a colcha de fuxico sobre a cama, alguns santos e retratos de família pendurados na parede. Os visitantes podem olhar de perto os objetos, ouvir o estalo da lenha no forno e sentir o cheiro do milho assando.
Agora aumenta o pitoco (volume do som) pra ouvir o forró Sebastiana, composto em 1953 por Rosil Cavalcanti, que tornou o primeiro grande sucesso de Jackson do Pandeiro:
Convidei a comadre Sebastiana
Pra dançar e xaxar na Paraíba
Ela veio com uma dança diferente
E pulava que só uma guariba
E gritava: a, e, i, o, u ipsilone.
Nessa pisada, o xén én én de Campina Grande vai até de madrugada.
Caruaru, a capital do forró
Caruaru está situada a 135 km de Recife, Pernambuco. O seu São João, na versão atual, acontece desde 1994. No Pátio Luiz Gonzaga é instalada a Vila do Forró, uma área cenográfica de 1.500 m² que abriga um arruado com casas coloridas, posto bancário, posto dos correios, prefeitura, igrejinha e mercearia. Personagens caricatos moram em casas espalhadas pelo vilarejo, como a da rainha do milho, a da rezadeira, a da parteira e a da rendeira.Na Vila do Forró os atores encenam o cotidiano da região com humor. Oxente! Surgem o padre e as beatas, a parteira, o soldado de polícia, o prefeito, o poeta. Coronel Ludugero e sua amada Filomena passeiam entre as pessoas. O tiro do bacamarte não pode faltar. Referência a grupos de atiradores que serviram na Guerra do Paraguai, as exibições acontecem desde o final do século XIX.
A bandinha de pífano é outra importante atração, imortalizada na obra do ceramista Mestre Vitalino. Pode-se visitar sua casa no Alto do Moura para comprar, ou apenas apreciar, réplicas de seus bonecos de barro. Nesse morro acontece um #furdunço#, os jovens organizam arrasta-pé com caixa de som, misturados a trios pé de serra ao vivo. Há várias opções de comida típica e cachaçarias.
A Terra dos Avelozes costuma promover atrações gigantescas. Bebidas e comidas enormes são servidas na festança: maior quentão; maior pipoca; maior pamonha; maior cuscuz; bolo de milho gigante; maior pé de moleque; maior arroz-doce; canjica gigante; maior xerém e tradicional cozido gigante.
Em 1989, surgiram as drilhas, resultado da mistura entre quadrilha e trio elétrico de Salvador. As pioneiras foram Gaydrilha (homem no traje de matuta) e Sapadrilha (mulher vestida de matuto). Apareceram outras: Piradrilha, Diversãodrilha, Turisdrilha, Trokadrilha, Brinkadrilha e Nova Drilha. É um tipo de forró no pé, como dizem seus brincantes, que comanda o trio na avenida.
Há ainda a maior fogueira de São João, feita com madeira ecológica, que é acesa no dia 28 de junho, em frente à igreja do Convento. Desse jeito, é de arrebentar a boca do balão!
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